sexta-feira, 30 de março de 2007

solo



Esta insónia intermitente
entre o sonho e o pesadelo

Os meus lábios entreabertos
teu nome breve em apelo

Os meus dedos intangíveis
perdidos no teu cabelo

Este total desconcerto
do teu corpo inconsistente
entre os meus braços desertos

Tua boca, fruto ausente
que desejo incoerente
sobre o meu corpo desperto

Sou praia de branca areia
sou rio da sede que anseia
ser foz da tua nascente

Este amor é para dois...
assim, solitariamente,
sem ter antes nem depois,
é quimera inconsequente...
é ave de asa partida
que não sobe ao transcendente...
é semente destruída,
é simulacro de vida,
é morte em forma diferente.

domingo, 25 de março de 2007

menina primavera


Primavera pequenina
dos meus sonhos cor de esperança
com flores na tua trança
foste, rosada menina,
o meu amor de criança!

Corríamos campos fora
eu era o teu cavaleiro
eu era sempre o primeiro
fui desde a primeira hora
o teu amor verdadeiro!

Hoje perdida no tempo
vives na recordação...
pequenina Primavera
não sou o menino que era
mas estás no meu coração!

quarta-feira, 21 de março de 2007

DIA DA POESIA

Quadros de Lucebert

MEU POEMA

sou o fantasma holofote
instalado em nicho escuro
- 'aqui há gato' -
sussurra a jóia surripiada
ofuscada por mim ao voltar da festa

sou um espantalho sou olhado
no ovo recheado da minha dor
e a ave que deixa o filhote
espatifar-se no chão (é a sua espécie)
nasce com olhos meigos

sou o grande caos após o incêndio
sou o mobiliário gotejante
que ainda fumega e sou o torcer de mãos
o beber aguardente na noite húmida
sou a constipação após o grande incêndio

sou o tirano pálido na manhã alva
o seu relógio vai atrasado
mas o coração antecipa a sentença de morte
e uivo ao cheiro de carne humana
embora não goze tal delícia há anos

sou a rapariga que na minha memória
encontro na colina florida
converso com ela tão meigamente
como a brisa estival fala ao convalescente
ela é muito pálida e tem rosto de memória

sou a voz que não dá voz
ao que já tem voz
mas que sobre o silêncio angustioso
coloca a imagem miraculosa de uma palavra
e só depois alheio a todo o medo
se sabe o que eu quis dizer com tudo isto
o Poema é amuleto

LUCEBERT (pseudónimo de L. J. Swaanswijk, Holanda, 1924-1994) é a incarnação do espírito cinquentista: exuberante, agressivo, rebelde. Tanto na sua obra plástica, como na de poeta, é manifesto o seu desprezo por dogmas e convenções artísticas e sociais. Busca a inspiração na arte primitiva (o tema do negro), na ingenuidade (tema da criança), na espontaneidade, na atonalidade, do que resulta uma arte sumamente revolucionária, livre, mas ao mesmo tempo estruturada pelo intuito de restituir ao homem as forças elementares, perdidas ou recalcadas na civilização ocidental.
Pelo seu olhar desprevenido, que considera as coisas sem situá-las em qualquer sistema, pela absoluta liberdade de associações de imagens, pelo emprego de metáforas, símbolos e mitos, pela formação de neologismos e pela desintegração da sintaxe, Lucebert é, à primeira leitura, um dos mais difíceis poetas holandeses modernos.

(Tradução do Poema: August Willemsen e Egito Gonçalves)

segunda-feira, 19 de março de 2007

dia do Pai ausente


O Filho:

Pai, outro dia que passamos
tu sem mim e eu sem ti
tão distantes que nós estamos
mas estás aqui... e eu aí.

O Pai:

Eu não consigo encontrar-me
tu andas só e perdido
mas continuas a amar-me
e eu a ti... meu Filho querido.

sexta-feira, 9 de março de 2007

distância



Procuro-te no resto do meu sonho
que ficou parado clandestino
quando com o teu olhar quase tristonho
me pediste que voltasse a ser menino


Ansiosamente procuro o que restou
dos brinquedos perdidos de uma infância
parti cedo demais e o que não sou
cabe na tua mão cheia de distância